Quem ganha e quem perde com o fim da SUDENE?


[PEREIRA, William E. N. Quem ganha e quem perde com o fim da SUDENE? Diário de Natal, Natal/RN, Ano II, Nº18, 26 mai. 2001. Da Vínci Textos Acadêmicos.]


O Nordeste brasileiro experimentou um extraordinário crescimento econômico, desde a década de sessenta, mas este crescimento mostra tendências visíveis de concentração e exclusão: concentração fundiária, de rendas e exclusão social dos segmentos mais pobres da região. Sem dúvida, a atuação do Estado na região, constitui-se no principal estímulo ao crescimento econômico e de desenvolvimento social.
A Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) apresenta-se como um dos principais órgãos de intervenção do setor público na região. Criada a partir do Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN), a SUDENE transformou-se, na década de 60, no principal órgão de desenvolvimento do Nordeste.
É consenso para inúmeros estudiosos, a significativa importância da SUDENE no desenvolvimento da economia nordestina, configurando nos indicadores sócio-econômicos: entre 1950 e 1996, o crescimento do PIB per capita foi superior ao do Brasil (3,2% Nordeste; 3,0% Brasil); a esperança de vida ao nascer subiu de 38,7 para 64,2 anos, representando uma aumento de 65,9%, bem superior à média brasileira de 57,7%; a taxa de alfabetização na região aumento de 26,3% para 76,3%, representando um aumento de 190,1%, enquanto a média brasileira elevou-se de 42,7% para 86,5% ou seja um crescimento de 102,5%.
Considerando o período de 1960 a 1990, percebe-se a quase sextuplicação do PIB nordestino que de US$ 8,6 bilhões salta para US$ 50 bilhões, representando um crescimento na participação do PIB brasileiro de 13,2% para 17,1%.
A SUDENE fomentou o crescimento na região via incentivos fiscais e financeiros que favorecem as “transferências do capital produtivo em busca de oportunidades de investimento no Nordeste e, simultaneamente, de aproveitamento dos estímulos oferecidos pela política de desenvolvimento regional,...” (Guimarães Neto, 1989) gerando um intenso processo de aceleração do crescimento econômico baseado na industrialização. Entre 1962 e 1989 a SUDENE incentivou 2.756 projetos econômicos, dos quais 53,8% ou 1.482 projetos estavam vinculados à indústria. Estes projetos absorveram 77,7% dos recursos destinados ao incentivo dos projetos econômicos.
Considerando os recursos totais desperdícios, encontraremos a geração de cerca de 590 mil empregos diretos, sendo a indústria responsável pela criação de aproximadamente 441 mil, 75% do total. Podemos perceber que mesmo promovendo incentivos à pecuária (30% dos projetos, 7,8% dos recursos, 6,2% dos empregos), cujo controle no Nordeste encontrava-se nas mãos das mais conservadoras oligarquias, o estímulo maior foi para indústria, foco principal do GTDN e da ação da SUDENE. Mesmo não criando o “centro autônomo de expansão da manufatura” (GTDN, 1958) possibilitou a expansão industrial da região, reduzindo as desigualdades econômicas entre o Nordeste e o Centro-Sul.
A SUDENE, principalmente em sua primeira fase sob a coordenação de Celso Furtado, promoveu uma verdadeira “revolução” no processo de intervenção do setor público na região. Considerando o contexto sócio, econômico e político da época, promoveu um confronto sub-reptício com a oligarquia algodoeira-pecuária que capturara o Estado para benefício próprio. Evidentemente a ruptura com o passado conservador, no qual a intervenção do Estado caracterizava-se por uma política assistencialista, hídrica, paternalista e emergencial implicou na “captura deste Estado pela Burguesia internacional-associada do Centro-Sul, através das formas que propõe para a reinversão do excedente captado pelo Estado em capital.” (FRANCISCO DE OLIVEIRA, 1985).
A extinção da SUDENE implica no empobrecimento da região, no que concerne a existência de órgãos que historicamente contribuíram para seu desenvolvimento. Evidentemente, esta extinção é apenas o “ultimo ato” de um histórico processo de esvaziamento que começou com a implantação das políticas e dos programas PIN, PROTERRA, que na década 70 visavam promover a integração nacional e a manutenção do homem no campo.
Além destes programas, a ingerência política e a falta de qualificação de muitos superintendentes (colocados na função por serem afilhados de “políticos” importantes), prejudicaram o desempenho da instituição na execução de suas funções. A corrupção de funcionários, o desvio de recursos de projetos e outras anomalias, ocorrem em qualquer instituição, órgão ou empresa. O importante é manter-se mecanismos de fiscalização e controle permanentes, que evitem ou pelo menos amenizem as ações de agentes corruptos.
A substituição da SUDENE e da SUDAM por agências de desenvolvimento não implica o fim da corrupção, nem da ingerência política, pois libertar a instituição das mãos dos governos estaduais e colocá-la nas mãos do Ministério da Integração Nacional (se é que também ele não será extinto), apenas muda o agente de ingerência sobre a “agência”. Mesmo considerando que suas diretorias deverão ser aprovadas pelo Senado, não a livra da possibilidade de “corrupção”, pois como muitas outras instituições cujas diretorias dependem da aprovação do Senado, fortes são as possibilidades de ações não muito éticas – basta-nos casos históricos do Banco Central.
O fim dos mecanismos de incentivos baseados na renúncia fiscal, sem dúvida apresenta-se positivo para o governo, porém a vinculação dos recursos ao orçamento geral da união (mesmo que se propague o aumento inicial do nível de recursos) não garante no futuro próximo a contínua eficiência econômica dos investimentos. Afinal tudo que a União concede, pode retirar, pode vir a não conceder, caso mude o governo ou mesmo os objetivos do governo. Transformar a SUDENE em agência facilita a futura extinção da instituição. O ideal seria recompor a instituição nos moldes em que foi planejada por Furtado na década de 60, e que sua fiscalização seja realizada por instituições independentes, com autonomia administrativa, se possível “nos moldes da agência que está sendo idealizada pra regular e fiscalizar as instituições financeiras, o mercado de capitais, o sistema de previdência fechada e aberta e o mercado de seguro.” (Valor Econômico, 07/05/01)
Mudar o conselho deliberativo, integrando a estrutura da Ministério da Integração Nacional, apenas altera a ingerência política, fortalecendo o Ministro da Integração Nacional, que depende diretamente do presidente , em detrimento dos governos estaduais. Fortalece-se assim o poder central, enfraquece-se o poder dos estados, levando-nos a perguntar, se a transformação da SUDENE em agência não seria apenas mais um passo no processo de concentração de poder da União e do Presidente da República. 

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