ALCA: made in USA


[ARAÚJO, Denílson da Silva. ALCA: made in USA. Diário de Natal, Natal/RN, Ano II, Nº18, 26 mai. 2001. Da Vínci Textos Acadêmicos.]


Os estágios de desenvolvimento dos países periféricos, sobretudo os da América Latina, já tiveram diversas designações. Primeiro as Academias, com forte poder de formação de opinião, os classificaram como países em desenvolvimento (Devoloping Countries). Depois, instituições internacionais como o Banco Mundial e o FMI, nos anos de 1960, os classificaram como países industrializados (New Industrialized Countries). Nos anos de 1980, os mesmos organismos os designaram de países devedores (Debts Countries) pelo fato de estarem, sem exceção, atrelados e dependentes forçados do mercado monetário internacional, via aprofundamento de suas dívidas externas. Mas, na década de 1990, receberam o título de mercados emergentes (Emerging Markets). O que mudou na realidade social dos países Latino- Americanos pari passu as mudanças de nomenclaturas, cujos conceitos pretendiam explicar os estágios de desenvolvimento daquelas sociedades? A resposta é: do pós-guerra ao ano 2001, a América Latina ficou mais pobre e mais desigual.
                É nesse contexto de desigualdade, sobretudo social e econômica, que os EUA buscam a cooperação de todas as economias do hemisfério Sul em prol do desenvolvimento regional. Este acordo chama-se Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), que se estenderá do Alasca à Terra do Fogo ou, como mais cientificamente é entendido, do Estreito de Bering ao Cabo Horn, com um mercado consumidor de 800 milhões de pessoas e um PIB uno superior a US$ 11 trilhões, concretizando a maior área de livre comércio do planeta.
                A tentativa de implantação de uma área de livre comércio no Continente Americano não é nova. Bush, o pai, ainda antes do governo Clinton, já havia proposto a “iniciativa Bush” para as Américas. Tratava-se, aquele período, de fortalecer a então combalida hegemonia norte-americana, sobretudo na América do Sul. Mas, é sob a regência política do governo William Clinton que se começa a dar passos decisivos para a formação do mercado idealizado pelo primeiro Bush. No dia 10 de dezembro de 1994 aconteceu a primeira Reunião de Cúpula das Américas, em Miami. Sucedeu-se a esta, várias outras reuniões de Ministros de Comércio do Hemisfério: em 1995 em Denver; em 1997, em Belo Horizonte; em março de 1998 em Santiago e São José da Costa Rica e, em junho deste mesmo ano, na Argentina. Nessas reuniões discutiram sobre as políticas internacionais dos mesmos, sobre tecnologia, indústria, agricultura, meio ambiente etc.
                No entanto, nos mais nobres documentos oficiais que circulam sobre a temática – ALCA – não se encontra nenhuma discussão, mesmo que superficial, sobre os efeitos catastróficos da mais recente inserção subordinada dos países americanos ao que se convencionou chamar de “economia global”. Portanto, e mais uma vez, na original proposta contida para a formação da ALCA encontra-se inserida a velha proposta do período desenvolvimentista do continente americano, primeiro crescer e só muito depois dividir os frutos do crescimento. Tudo isso em nome da preservação da democracia no Continente. Nada pode ser mais cretino do que isto!
                Hoje, George W. Bush – o filho – alardeia que a ALCA é a chance de “melhorar o nível de vida da população” e que o poder dos mercados se ajustará às necessidade dos pobres. Fica claro que o filho – assim como o pai – insiste em acreditar nas tolices provenientes de suas Universidades, ou seja, de que a auto-regulação dos mercados por si só distribuirá perfeitamente os fatores e o resultado da produção. Esta tese, enquanto verdade absoluta, já foi arremessada ao lixo pela realidade histórica de 1929. Por que insistir em acreditar que ela pode dar certo neste novo século? Dos 800 milhões de pessoas reunidas na ALCA, 220 milhões ainda vivem em situação de plena pobreza.
                Encontra-se no continente, países em diversos estágios de desenvolvimento econômico, político e social, de mercados internos – como o Brasil, Argentina e México – de fundamental importância para as potências do continente e outras de significância indeterminadas às mesmas como, por exemplo, Santa Lúcia, um país de economia pouco diversificada, que não tem o que oferecer do ponto de vista da produção industrial e com uma população de 200 mil habitantes. O que será de um país como este num mercado aberto para o continente americano mais fechado para o mundo? Quais são as regras, deste mercado promissor, que darão oportunidade a essas pequenas economias de internalizarem ganhos de comércio exterior sem os estrangulamentos já há décadas apontados pela velha CEPAL?
                Parece que, como dantes, o novo e maior mercado do planeta surgirá com grandes diferenças sócio-econômicas e aprofundando-as, na medida em que se substanciará a união de pobres e ricos em nome da atual democracia de mercado. A mesma democracia da desnacionalização, do desemprego e da fome. A democracia do capital conglomeralizado, do mercado produtor de riqueza e do capital parasitário, centralizado nos nobres mercados financeiros internacionais. Talvez seja essa a democracia que de acordo com os norte-americanos a ALCA tem que ter a dignidade de preservar.
                Para os norte-americanos a parte difícil de seu projeto econômico já foi consumada. Há mais de uma década os países mais importantes do Continente, por imposição dos EUA em particular, vêm praticando reformas econômicas as quais se convencionou chamar de Consenso de Washington (Washington Consensus). Privatizaram e desnacionalizaram setores produtivos de fundamental importância na estratégia de industrialização nacional, baixaram e até excluíram tarifas de suas políticas de comércio internacional, reduziram subsídios e reviram vários acordos bilaterais interessantes.
                Por isso, de acordo com a atual política econômica internacional brasileira - para citar apenas um dos trinta e quatro países que conformarão a ALCA – não vejo espaço (infelizmente) para a discussão se o Brasil vai ou não aderir à ALCA. Enquanto se discutia se ele privatizava ou não, ele privatizou. Se desnacionalizava ou não, desnacionalizou etc. Assim, para o Brasil não cometer os mesmos erros no caminho da inserção internacional, via ALCA, bastaria uma mudança na condução de sua política econômica nacional e internacional. Para que isso se torne realidade faz-se necessário uma nova força política no comando do país, ou um milagre. Em qual das duas opções se poderia creditar?
                Para a tranquilidade do governo de Washington e do capital parasitário (financeiro), o Continente conta com algumas ditaduras – mesmo civis – e com uma Social Democracia completamente alinhada com seus interesses e ciente de que sua única razão de existência no Terceiro Mundo passou a ser a de dar viabilidade interna aos interesses dos países centrais. Por isso, não temos como compartilhar do otimismo de Bush, o filho (mas provavelmente de todos os norte-americanos; não se esqueçam dos canadenses!), pelo menos enquanto a América Latina não estiver livre do flagelo do desemprego e da fome. 

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