O que é Política?

Com tantos escândalos de corrupção na política, muita gente prefere nem mais ouvir falar nela. Será que fugir da política é o melhor caminho? Qual a importância da política para a vida cotidiana?



Estava lendo o Capítulo 7 - A vida política, do livro Convite a Filosofia de Marilena Chauí, indicação de leitura da disciplina de Comunicação Política do curso de Jornalismo, pensei em escrever sobre o que é Política. Mas, não tenho a competência para escrever tão bem quanto Chauí... Portanto, resolvi colocar aqui no Blog uma parte desse capítulo, com a excelente explicação sobre o que a sociedade entende sobre política. Estamos numa conjuntura política que quanto mais nos informamos sobre política, melhores serão os resultados de nossas lutas. No texto, a autora fala sobre os paradoxos da política. É muito interessante. Vale a pena conferir! 😉

Segue abaixo o trecho do capítulo do Livro Convite a Filosofia, sobre o que é política:

"Podemos, assim, distinguir entre o uso generalizado e vago da palavra política e um outro, mais específico e preciso, que fazemos quando damos a ela três significados principais inter-relacionados:
1. o significado de governo, entendido como direção e administração do poder público, sob a forma do Estado. O senso comum social tende a identificar governo e Estado, mas governo e Estado são diferentes, pois o primeiro diz respeito a programas e projetos que uma parte da sociedade propõe para o todo que a compõe, enquanto o segundo é formado por um conjunto de instituições permanentes que permitem a ação dos governos.
Ao Estado confere-se autoridade para gerir o erário ou fundo público por meio de impostos, taxas e tributos, para promulgar e aplicar as leis que definem os costumes públicos lícitos, os crimes, bem como os direitos e as obrigações dos membros da sociedade. Também se reconhece como autoridade do governo ou do Estado o poder para usar a força (polícia e exército) contra aqueles que forem considerados inimigos da sociedade (criminosos comuns e criminosos políticos). Confere-se igualmente ao governo ou ao Estado o poder para decretar a guerra e a paz. Exige-se dos membros da sociedade obediência ao governo ou ao Estado, mas reconhece-se o direito de resistência e de desobediência quando a sociedade julga o governo ou mesmo o Estado injusto, ilegal ou ilegítimo. A política, neste primeiro sentido, refere-se, portanto, à ação dos governantes que detêm a autoridade para dirigir a coletividade organizada em Estado, bem como às ações da coletividade em apoio ou contrárias à autoridade governamental e mesmo à forma do Estado;
2. o significado de atividade realizada por especialistas – os administradores – e profissionais – os políticos -, pertencentes a um certo tipo de organização sociopolítica – os partidos -, que disputam o direito de governar, ocupando cargos e postos no Estado. Neste segundo sentido, a política aparece como algo distante da sociedade, uma vez que é atividade de especialistas e profissionais que se ocupam exclusivamente com o Estado e o poder. A política é feita “por eles” e não “por nós”, ainda que “eles” se apresentem como representantes “nossos”;
3. o significado, derivado do segundo sentido, de conduta duvidosa, não muito confiável, um tanto secreta, cheia de interesses particulares dissimulados e freqüentemente contrários aos interesses gerais da sociedade e obtidos por meios ilícitos ou ilegítimos. Este terceiro significado é o mais corrente para o senso comum social e resulta numa visão pejorativa da política. Esta aparece como um poder distante de nós (passa-se no governo ou no Estado), exercido por pessoas diferentes de nós (os administradores e profissionais da política), através de práticas secretas que beneficiam quem as exerce e prejudicam o restante da sociedade. Fala-se na política como “mal necessário”, que precisamos tolerar e do qual precisamos desconfiar. A desconfiança pode referir-se tanto aos atuais ocupantes dos postos e cargos políticos, quanto a grupos e organizações que lhes fazem oposição e pretendem derrubá-los, seja para ocupar os mesmos postos e cargos, seja para criar um outro Estado, através de uma revolução socioeconômica e política.
Onde está o paradoxo? Na divergência entre o primeiro e o terceiro sentido da palavra política, pois o primeiro se refere a algo geral, que concerne à sociedade como um todo, definindo leis e costumes, garantindo direitos e obrigações, criando espaço para contestações através da reivindicação, da resistência e da desobediência, enquanto o terceiro sentido afasta a política de nosso alcance, fazendo-a surgir como algo perverso e maléfico para a sociedade. A divergência entre o primeiro e o terceiro é provocada pelo segundo significado, isto é, aquele que reduz a política à ação de especialistas e profissionais.
Essa situação paradoxal da política acaba por fazer-nos aceitar como óbvias e verdadeiras certas atitudes e afirmações que, se examinadas mais a fundo, seriam percebidas como absurdas.
Tomemos um exemplo recente da história da política do País. Em 1993, durante o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), do pedido do ex-presidente da república, Fernando Collor de Mello, de não-suspensão de seus direitos políticos, ouvimos, em toda a parte, a afirmação de que o Poder Judiciário (do qual o Supremo Tribunal Federal é o órgão mais alto) só teria sua dignidade preservada se o julgamento do pedido não fosse um “julgamento político”.
Onde está o paradoxo? No fato de que a república brasileira é constituída por três poderes políticos – executivo, legislativo, judiciário -, e, portanto, o Supremo Tribunal Federal, sendo um poder político da República (um poder do Estado), não pode ficar fora da política. Que sentido, portanto, poderia ter a idéia de que o órgão mais alto do Poder Judiciário não deve julgar politicamente? Como desejar que um poder do Estado, portanto, um poder político, aja fora da política?
Mais paradoxal, ainda, foi o modo como os juízes, após o julgamento, avaliaram seu próprio trabalho, dizendo: “Foi um julgamento legal e não político”. Ora (e nisso reside o paradoxo), a lei não é feita pelo Poder Legislativo? Não é parte da Constituição da República? Não é parte essencial da política? Como, então, separar o legal e o político, se a lei é uma das formas fundamentais da ação política?
Na verdade, quando se insistia em que o julgamento “não fosse político” e se elogiava o julgamento por “ter sido apenas legal ”, o que estava sendo pressuposto por todos (sociedade e juízes) era a identificação costumeira entre política e interesses particulares escusos, contrários aos da maioria, que por isso deve ser protegida pela lei contra a política. O paradoxo está no fato de que uma forma essencial da política – a lei – aparece como proteção contra a própria política.
Uma outra afirmação que aceitamos tranqüilamente é aquele que acusa e critica uma greve, declarando que se trata de “greve política”. É curioso que usemos, sem problema, a expressão “política sindical” e, ao mesmo tempo, a condenemos, criticando uma greve sob a alegação de ser “política”.
Em certos casos, é compreensível o paradoxo. Quando, por exemplo, se trata de trabalhadores de uma fábrica de automóveis que, em nome de melhores salários, entram em greve contra a direção da empresa, compreende-se que a greve seja considerada “simplesmente econômica”. Ao criticá-la como “greve política” está-se, como sempre, querendo dizer que os grevistas, sob a aparência de uma reivindicação salarial, estariam defendendo interesses particulares escusos e ilegítimos, ou buscando, dissimuladamente, vantagens e poderes para alguns sindicalistas. A palavra política é, assim, empregada para dar um sentido pejorativo à greve.
Há casos, porém, em que a expressão “greve política”, usada como crítica ou acusação, é surpreendente. Suponhamos, por exemplo, que os trabalhadores de um país façam uma greve geral contra o plano econômico do governo. Estão, portanto, recusando uma política econômica e, nesse caso, a greve é e só pode ser política. Por que, então, acusar uma greve por ela ser o que ela é? O motivo é simples: para o senso comum social, dizer de alguma coisa que ela é “política” é fazer uma acusação. A crítica só em aparência está dirigida contra a greve, pois, realmente, está voltada contra a política, imaginada como algo maléfico.
Essa visão generalizada da política como algo perverso, perigoso, distante de nós (passa-se no Estado), praticado por “eles” (os políticos profissionais) contra “nós”, sob o disfarce de agirem “por nós”, faz com que seja sentida como algo secreto e desconhecido, uma conduta calculista e oportunista, uma força corrupta e, através da polícia, uma força repressora usada contra a sociedade. Essa imagem da política como um poder do qual somos vítimas tolerantes, que consentem a violência, é paradoxal pelo menos por dois motivos principais.
Em primeiro lugar, porque a política foi inventada pelos humanos como o modo pelo qual pudessem expressar suas diferenças e conflitos sem transformá-los em guerra total, em uso da força e extermínio recíproco. Numa palavra, como o modo pelo qual os humanos regulam e ordenam seus interesses conflitantes, seus direitos e obrigações enquanto seres sociais. Como explicar, então, que a política seja percebida como distante, maléfica e violenta?
Em segundo lugar, porque a política foi inventada como o modo pelo qual a sociedade, internamente dividida, discute, delibera e decide em comum para aprovar ou rejeitar as ações que dizem respeito a todos os seus membros. Como explicar, então, que seja percebida como algo que não nos concerne, mas nos prejudica, não nos favorece, mas favorece aos interesses escusos e ilícitos de outros?
Que aconteceu a essa invenção humana para tornar-se, paradoxalmente, um fardo de que gostaríamos de nos livrar?
Cotidianamente, jornais, rádios, televisões mostram, no mundo inteiro, fatos políticos que reforçam a visão pejorativa da política: corrupção, fraudes, crimes impunes praticados por políticos, mentiras provocando guerras para satisfazer os interesses econômicos dos fabricantes de armamentos, desvios de recursos públicos que deveriam ser usados contra a fome, as doenças, a pobreza, aumento das desigualdades econômicas e sociais, uso das leis com finalidades opostas aos objetivos que tiveram ao ser elaboradas, etc.
Ao lado desses fatos, não passa um dia sem que saibamos o modo desumano, autoritário, violento com que funcionários públicos, cujo salário é pago por nós (através de impostos), tratam a população que busca os serviços públicos. Também contribui para a visão negativa da política a maneira como as leis estão redigidas, tornando-se incompreensíveis para a sociedade e exigindo que sejam interpretadas por especialistas, sem que tenhamos garantia de que as interpretam corretamente, se o fazem em nosso favor ou em favor de privilégios escondidos.
O que é curioso, porém, aumentando nossa percepção da política como algo paradoxal, é o fato de que só podemos opor-nos a tais fatos e lutar contra eles através da própria política, pois mesmo quando se faz uma guerra civil ou se realiza uma revolução, os motivos e objetivos são a política, isto é, mudanças na forma e no conteúdo do poder. Mesmo as utopias de emancipação do gênero humano contra todas as modalidades de servidão, escravidão, autoritarismo, violência e injustiça concebem o término de poderes ilegítimos, mas não o término da própria política.
As pessoas que, desgostosas e decepcionadas, não querem ouvir falar em política, recusam-se a participar de atividades sociais que possam ter finalidade ou cunho políticos, afastam-se de tudo quanto lembre atividades políticas, mesmo tais pessoas, com seu isolamento e sua recusa, estão fazendo política, pois estão deixando que as coisas fiquem como estão e, portanto, que a política existente continue tal qual é. A apatia social é, pois, uma forma passiva de fazer política."

CHAUÍ, Marilena. Convite a filosofia. Ed. Ática, São Paulo, 2000.

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